O silêncio no olho do furacão
Thomas Lopes Whyte
O 51º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro é também o festival das mulheres. Ao longo de pouco mais de uma semana, o palco do Cine-Brasília foi território de afirmação e de acerto de contas. Há alguns anos se discute a necessidade de democratização dos espaços de produção e exibição no cinema nacional, mas, até então, o discurso parecia se descolar da prática. Não dessa vez. Contrariando a curadoria dos festivais anteriores, foi possível chegar à tão almejada paridade. O primeiro dia da mostra competitiva foi marcado por uma ampla participação feminina. Dos quatro filmes exibidos na noite de estreia, três deles, entre curtas e longas, foram realizados por diretoras. O corpo coberto de barro no curta de Bárbara Cabeça é a Vênus que nos lembra que, ainda no início, no centro do cosmos, havia uma silhueta feminina responsável pela vida.
Mas se a política começa no corpo, protagonista em suas mais diversas formas, seu fim é a própria cidade de Brasília, território simbólico de poder. 2018 talvez tenha sido o ano mais amargo de uma história recente de desencanto e é difícil não ver com um pouco de melancolia as contradições que marcam o encolhimento de um campo propositivo e positivo de política que possa se ver refletido na produção cultural.
Estar em um festival de cinema hoje em dia é passar por uma experiência agridoce. A excitação de estar vendo o que de mais novo se produz no cinema brasileiro se mistura à constatação de que a classe artística parece se debater violentamente dentro de um aquário. No meio do absurdo, nem mesmo os manifestos – proferidos aos montes – parecem importar mais. Os filmes, muitas vezes acostumados ao confinamento de seus próprios discursos codificados, se acomodam no conforto de uma classe vaidosa e faminta por ver a si mesma refletida na tela. As denúncias, que há alguns anos inflamavam discussões (pelo menos na internet), são basicamente ignoradas, e o reboliço é, quando muito, limitado aos círculos dos entusiastas de sempre. Mas a realidade, é que os números de bilheteria confirmam o retraimento de público no cinema nacional. Se, por um lado, o número de produções aumenta ano após ano, o elo entre obra e espectadores tem se tornado cada vez mais débil. A velha presença dos enlatados aliada à força em ascensão das plataformas de streaming, estimula a consolidação de nichos e empurra nosso cinema cada vez mais para os circuitos especializados. Se o cenário já não fosse incerto o suficiente, uma guerra cultural ferrenha e obscurantista também se avizinha, prometendo arrasar as já frágeis estruturas de fomento do audiovisual. Mas, e então… Se tudo isso é real, o que fazer? Qual o tamanho desse poço cujo fundo ainda não conseguimos ver? Como o cinema nacional, sempre acostumado a descontinuidades, se prepara para enfrentar a tempestade que será 2019? Como as questões identitárias, tão presentes nas salas ao longo dos últimos anos, se rearranjarão em um terreno ainda mais reacionário e que cada vez mais se utiliza, de forma consciente, da força dessas demandas para controlar a opinião pública?
Creio que essas respostas ficarão para 2019. Se um filme marcado por certo estado de “suspensão” – como é o caso do vencedor, Temporada (2018) – parece tão adequado a 2018, só resta esperar que, no governo do rei Ubu, de uma “nova era” que se aproxima, o cinema nacional seja capaz de oferecer formas novas e mais radicais de movimento.