A Cidade Onde Envelheço (2016), de Marília Rocha

2 a cidade

Vidas por vir, cidades que se reinventam

Bruno Greco

Em A Falta Que Me Faz (2009), filme anterior de Marília Rocha, a diretora viajou até a região de Curralinho, no interior de Minas Gerais, para acompanhar o cotidiano de um grupo de jovens mulheres alcançando a vida adulta. No processo de realização do filme, cineasta e personagens criaram um laço fortíssimo – Marília, inclusive, se tornou madrinha da filha de uma delas algum tempo depois – que é essencial para explicar o intimismo que o filme nos passa. Essa sensibilidade da diretora, presente em toda sua obra, reinventa um modo de fazer cinema, e torna possível  redimensionar a relação entre quem filma e quem é filmado. Na cena final, uma das garotas indaga a equipe sobre o quão real foi aquela experiência, provocando na diretora e no fotógrafo um certo desconforto que Marília faz questão de registrar.

Já em A Cidade Onde Envelheço (2016), Teresa (Elizabete Francisca) vem a Belo Horizonte e se hospeda na casa de Francisca (Francisca Manuel), amiga de infância que não vê há anos. Se em Curralinho, Marília foi acolhida por suas personagens, em seu novo longa essa relação se inverte. Durante as filmagens, as duas atrizes portuguesas moraram juntas, a pedido da diretora, no apartamento de suas personagens. A cumplicidade que as duas claramente estabeleceram a partir dessa experiência toma as rédeas do filme, interferindo no desenrolar da trama. Apesar de possuir todos os elementos de uma obra de ficção, a amizade construída entre as duas atrizes obriga o roteiro a ser reinventado à medida que é filmado. Além disso, a diretora – que já morou fora do Brasil e, portanto, experimentou a vivência das personagens que criou – adiciona elementos de sua própria vida à narrativa. A Belo Horizonte filmada é a vivida por Marília, as pessoas que cruzam o caminho de Teresa e Francisca são seus amigos íntimos e, inclusive, as músicas reproduzidas são aquelas que tocam a diretora. A sutileza dos movimentos de câmera de Ivo Lopes são essenciais para enquadrar essa constante reinvenção.

Tanto em A Falta que Me Faz, quanto em A Cidade Onde Envelheço, fica claro que, para Marília, mais importante que o filme em si são as relações que se estabelecem graças a ele. Essa abertura da diretora para o imprevisto é o que firma as estruturas da obra, e torna possível tamanha transmissão entre obra e espectador.

Se a cidade do título é Belo Horizonte, o sujeito que envelhece é o próprio filme.