Uma estória contada por suas elipses
Bruno Greco
Em Um Outro Ano (2016), acompanhamos o cotidiano de uma modesta família chinesa: avó, pais e três filhas. Shengze Zhu opta por mostrar a passagem do tempo através da apresentação de treze refeições dessa família, em meses distintos. Trezes longos e estáticos planos-sequências, cuja mise-en-scène é coordenada, principalmente, pelas duascrianças mais novas. Aparentemente alheias tanto aos conflitos que se instauram ao seu redor, quanto à própria equipe de filmagem,elas correm, gritam e dançam – dentro e fora de quadro – e, principalmente, assistem TV. Esse hábito, comum à famílias de diversos países, funciona como ponto de conexão das cinco personagens. É o programa noturno que cria o companheirismo entre o pai e a primogênita, e os desenhos animados, os únicos capazes de acalmar as caçulas. A televisão, que permanece ligada durante todo o filme, se torna um sexto membro dessa família.
Os impasses vividos pelas personagens permanecem no extracampo. Por meio de alguns sutis comentários – vindos, principalmente, da mãe – nos damos conta de que a família vive sérias dificuldades financeiras, por exemplo. Mais tarde, no quarto mês, se não me engano, entre uma refeição e outra, a avó sofre um derrame. A refeição seguinte é, portanto, completamente análoga às anteriores. A avó, ainda hospitalizada, não está presente. Demora algum tempo antes que toquem no assunto, mas logo percebemos que algo aconteceu. A família está claramente abalada. O incidente da avó foi preenchido pela tela preta com legendas indicando o mês em que estamos, recorrente no intervalo entre todos os planos do filme. É como se Shengze Zhu deixasse toda a trama acontecer nesses espaços vazios. Uma estória contada por suas elipses.