50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro: uma montagem tensa

João Campos

Festivais e mostras de cinema são lugares onde imperam a fricção, o deslocamento e o confronto de ideias heterogêneas. Aprendi isso no forumdoc – de onde parti – e agora vejo isso no cinquentenário do Festival de Brasília – por onde passei. O maior êxito da recente edição do evento foi sua composição. Embora os arranjos das sessões justapusessem filmes que “conversavam”, o valor da curadoria deste ano estava em outro lugar: no dissenso!

Ao analisarmos os filmes que compuseram as mostras competitivas, de longa e curta-metragem, enxergamos tensões necessárias: obras como Pendular, Construindo Pontes, Inocentes e Vazante se relacionaram por curto-circuito com filmes como Era Uma Vez Brasília, Arábia, Tentei, Café com Canela e Por Trás da Linha de Escudos. A tensão desloca, estimula o pensamento.

Um festival de cinema pode se propor a reproduzir o consenso, mas esse é o caminho dos inimigos. Mais do mesmo não nos interessa, os tempos são de ódio e o contato destrutivo nos leva a refletir. Pergunto-me: como produzir o dissenso se não através da fricção entre divergentes operações estéticas, ideologias e formas de ser e estar no mundo? A potência está aí.

Novas formas de fazer cinema autoral estão surgindo: outros sujeitos, outras. Não obstante, “o mais do mesmo” persiste em massa. Ignorar o cinema burguês – Vazante, Construindo Pontes… – seria, por um lado, negar o fato desses filmes ainda dominarem os meios de produção, distribuição e recepção do cinema. Inserir tais obras num contexto de tensão é mostrar que, apesar disso, outro cinema vem tomando forma: Café com Canela, Era Uma Vez Brasília, Tentei – e por aí seguimos na esteira ingovernável do contra-discurso.

Acredito que, nesse caminho, vamos longe. Se for necessário apedrejar, vamos aos filmes. A tensão é criativa, o confronto é necessário.