Leon Hirszman e os Itinerários de um Povo [1]

Reinaldo 9

Reinaldo Cardenuto

 

Penso como Antonin Artaud (…).

Há dez mil modos de pertencer à vida

e de lutar pela sua época.

Há dez mil modos de ocupar-se da vida

e de pertencer à sua época.

(Nise da Silveira, durante entrevista realizada por Hirszman em 1986, ao buscarem sua memória uma frase atribuída a Artaud)

 

                I.

Os primeiros passos da trajetória artística de Leon Hirszman ocorreram nos anos imediatamente anteriores ao golpe civil-militar de 1964. Como outros diretores vinculados ao Cinema Novo, em meio às graves polarizações ideológicas que marcaram os anos 1960, de início Hirszman aproximou-se do campo cinematográfico ao apostar que os processos criativos seriam mediações políticas cruciais para a transformação efetiva do mundo. Em um contexto atravessado pela grande confiança nos projetos revolucionários de esquerda, no qual se partilhava a utopia de que a história caminharia rumo à consolidação do socialismo, o cineasta dirigiu seus primeiros filmes em confluência com o idealismo teleológico presente em sua geração. Inspirado na mise-en-scéne de Sergei Eisenstein, sobretudo em diálogo com o estilo encontrado em Encouraçado Potemkin (1925), seu curta de estreia, um drama alegórico de celebração da classe popular, foi realizado com a expectativa de agitar emocionalmente os ânimos dos espectadores, propondo sua convocação urgente à luta política. Na narrativa catártica de Pedreira de São Diogo (1962), na qual é encenado o triunfo dos trabalhadores contra a ganância capitalista, desenha-se um exercício simbólico a representar o povo como portador de um heroísmo capaz de superar estruturas consolidadas de dominação.

Desejando posicionar-se diante das inquietações de seu tempo, face às demandas programáticas da militância marxista, Hirszman iniciou o seu percurso com um filme de engajamento, politicamente positivo, cuja essência encontrava-se na valorização do sujeito histórico considerado agente revolucionário. Ainda que a obra fosse esteticamente vigorosa, capaz de expor o autoritarismo enraizado na sociedade brasileira, seu projeto não se concentrava na investigação mais profunda de nossas contradições, mas, antes, na disposição em fazer do cinema um instrumento ideológico de combate. O mesmo compromisso de luta, acentuadamente didático e militante, ainda prosseguiria vivo no segundo curta-metragem dirigido pelo cineasta. No documentário Maioria Absoluta (1964), cujas filmagens ocorreram meses antes do golpe, o estudo sobre o analfabetismo no sertão nordestino, ponto de partida investigativo, desdobra-se na crítica ao poder oligárquico como causa da miséria camponesa existente no meio rural.

A implantação do regime militar, a partir de abril de 1964, geraria uma fratura irreparável no otimismo que vinha estimulando o engajamento e a prática artística de setores próximos à esquerda. Ao contrário do projeto revolucionário de herança marxista, no revés do processo político que deveria coroar a superação do capitalismo, a realidade histórica brasileira foi tomada de assalto pelo poderio militar e pelo desenvolvimento de uma modernização conservadora encabeçada por alas diversas do empresariado nacional. Para boa parte dos realizadores vinculados ao cinema novo, dentre eles o próprio Hirszman, o abalo na crença idealista, a ruptura com a teleologia da emancipação, provocaria a necessidade de revisar o modo como encaravam as representações do popular no campo artístico. Celebrado heroicamente nos filmes, erigido como monumento épico para a transformação do mundo, o sujeito revolucionário construído nas telas encontrava-se distante daquele povo real, pouco disposto à luta, que observara passivamente a instauração de um Estado autoritário no país. A distância entre o desejo e a sua concretude, antes enevoada pela partilha utópica, escancarava-se agora como questão problemática e incontornável. Foi justamente nesse contexto de crise, face aos muitos dissabores políticos, que Hirszman realizaria o seu primeiro longa-metragem, A Falecida (1965).

Adaptação da peça homônima escrita pelo dramaturgo Nelson Rodrigues em 1953, A Falecida pode ser considerado um importante ponto de inflexão no processo criativo que o jovem Hirszman vinha construindo há alguns anos. Absorvendo as críticas dirigidas naquele momento à produção cinemanovista, sobretudo em torno dos excessos de positivação ideológica, em seu novo filme, o cineasta procuraria exercitar um deslocamento em relação às tendências presentes na arte de militância instrumental, afastando-se do estilo programático que adotara como princípio ativo de suas obras anteriores. Sem abdicar do fazer artístico como lugar de essência política, espaço privilegiado para a exposição crítica das estruturas dominantes de poder, Hirszman assumiria a partir de A Falecida um realismo de observação acurada sobre as profundas contradições existentes na sociedade brasileira. Embora o seu filme possuísse pontos de convergência com o que vinha realizando até então, a exemplo de um olhar documentarizante lançado à vida e à cultura do povo, os novos tempos pareciam convocar à produção de um cinema capaz de evidenciar as fraturas sociais enfrentada sem um país acentuadamente autoritário. Propondo-se à releitura de um texto de origem teatral, Hirszman manteria firme o seu compromisso criativo com a classe popular, dessa vez compondo uma espécie de inventário sócio-existencial em torno de personagens habitantes do subúrbio carioca.

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Na versão fílmica de A Falecida, a obsessão da protagonista Zulmira pela morte, que a leva a programar com antecedência e em detalhes o próprio enterro, não provém exclusivamente de angústias referentes à dimensão subjetiva. Habitando um universo patriarcal que valoriza a submissão e o decoro feminino, mundo conservador no qual a posse material é encarada como sinônimo de consagração, Zulmira é uma figura dramática em frangalhos. Sob o peso desse código de conduta, incapaz de se ajustar efetivamente às demandas sociais de seu entorno, ela vive um dilaceramento sem retorno. A sua inadaptação, ao invés de lhe conceder forças de ruptura, resulta em sentimentos de culpa, inveja e rancor. Cindida entre ser um corpo livre e corresponder à imagem moral que lhe exigem, não alcançando a plenitude em nenhuma das duas esferas, a personagem enlouquece. Suas ações desiguais, como trair o marido e discursar a favor do recato, aderir à fé anti-materialista e valorizar uma ética do dinheiro, são consequências do abismo social e psicológico em que se encontra. Para Zulmira, a morte surge como possível solução do paradoxo existencial: não apenas a fuga definitiva de sua condição, mas também a expectativa de conseguir um enterro luxuoso, repleto de pompas, cujo efeito seria convencer os outros da perfeição conservadora que efetivamente nunca alcançou. Em A Falecida, Hirszman traz à tona um popular refém do tumulto sem fim, entregue às contradições resultantes da cultura autoritária difundida no Brasil. No contexto do regime militar, o cineasta faz ver, a partir de um realismo sócio-psicológico, aquilo que deforma a potência política transformadora do povo.

Anos após dirigir esse filme, em um cenário histórico de ampliação da violência ditatorial, Hirszman voltaria à investigação do popular socialmente corrompido no longa-metragem S. Bernardo (1972). Adaptação do romance homônimo escrito por Graciliano Ramos em 1934, o longa-metragem narra a trajetória alquebrada do personagem Paulo Honório, homem de extração popular que se transformou em um poderoso coronel alagoano. Por anos subjugado graças às suas origens sociais, sofrendo agressões contínuas em um universo patriarcal autoritário, o protagonista do filme é um sujeito astuto que converteu suas experiências existenciais não em revolta contra o estado das coisas, mas em estratégia mesquinha com o fim de ascender à condição de elite rural. As duras provações enfrentadas por Paulo Honório, ao invés de resultarem em projeto político de aversão ao coronelismo, são lições de vida que dotam o personagem de uma couraça sentimental impenetrável, lições que ele transformou em aprendizado para tornar-se tão opressor quanto aqueles que o exploraram no decorrer da infância e da juventude. Popular cooptado, reprodutor feroz das violências sofridas no campo, o personagem incorpora como corretos os valores patrimoniais que o cercam, naturalizando como verdade a noção de que o mundo deve submeter-se aos desejos daqueles que detêm domínio político e posses materiais. Em meio a um cenário histórico de aniquilamento dos projetos libertários de esquerda, no qual o regime militar sustentava-se no poder assassinando opositores e aquietando insatisfações a partir do acesso cada vez maior ao consumo de bens, Hirszman consolida em S. Bernardo uma exposição crítica das estruturas responsáveis por deturpar forças de contestação do povo, levando-o a multiplicar ações conservadoras de ordem autoritária.

Paulo Honório, como figura dramática típica, representa uma das dimensões mais cruéis da tragédia social brasileira: a sua aposta cega na cultura patrimonial, que o dotou de grande fé no capital econômico, faz com que monetarize todas as relações com as pessoas, acreditando que o dinheiro pode lhe garantir status e a servidão de funcionários, amigos, familiares e herdeiros. Para ele, a interação com o mundo se dá pela mercantilização completa dos outros. Incapaz de submeter à própria esposa nessa lógica perversa, uma vez que Madalena é um espírito livre e de formação intelectual humanista, Paulo Honório reage com ciúmes devastador. A revolta da companheira contra o autoritarismo do marido, transformada em melancolia diante da impossibilidade de fazê-lo mudar, gera no protagonista não um sentimento de solidariedade ou de autocrítica, mas sim a obsessão de que a esposa o estaria traindo, como se outro homem fosse roubar aquilo que considera sua posse exclusiva e de direito. O ciúme que manifesta contra essa mulher que pouco conhece, com quem pouco trocou afetos, resulta principalmente do receio de perder para alguém um de seus objetos, de mostrar-se fraco nesse universo patriarcal em que a valorização dos homens é mediada pela conquista de posses e pelo sucesso material. Nem o suicídio de Madalena, incapaz de suportar sua situação, mudará a visão de mundo do personagem.

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Após todo o ocorrido, assombrado pela morte da esposa, Paulo Honório lança-se a um processo íntimo de escrita e de autodescoberta. Ao redigir solitário as suas memórias, fazendo um grande balanço sentimental de sua vida, ele adquire a clareza do mal que representa, a lucidez da própria crueldade, admitindo ao mesmo tempo a impossibilidade de abandonar os valores mesquinhos e tortos que no fundo o sustentam como ser. Em convergência com certa dramaturgia brechtiana, a exemplo daquela contida na peça Santa Joana dos Matadouros (1929), as autorreflexões do personagem resultam não apenas no aprendizado agônico sobre o seu lugar opressivo no mundo, mas também na exposição crítica do modo autoritário de funcionamento do coronelismo brasileiro. Enquanto outras produções cinematográficas do período, face aos tempos ditatoriais, propuseram balanços feitos por personagens despedaçados em seu idealismo de esquerda, caso de Terra em Transe (Glauber Rocha, 1967) e O Bravo Guerreiro (Gustavo Dahl, 1968), no filme S. Bernardo a narrativa ficcional em primeira pessoa é deslocada para as confidências do opressor, evidenciando profundas contradições e perversidades relacionadas à corrupção ideológica da classe popular.

Entre 1963 e 1972, além das obras citadas nos parágrafos anteriores, Hirszman também realizaria outros dois filmes a tratar de fraturas sociais esgarçadas durante o regime militar. O primeiro deles, exceção na trajetória do cineasta por desligar-se das representações em torno do popular, foi o longa-metragem Garota de Ipanema (1967). Nessa “obra de aprendizagem”, tomando de empréstimo um conceito que se consagrou no romance literário, a narrativa se concentra na jornada iniciática de Márcia, uma jovem pertencente à classe alta carioca. Em forte desajuste com o universo burguês, em tensão acirrada com os valores de sua classe de origem, a protagonista do filme é uma mulher melancólica, cuja crise não provém apenas de desencontros amorosos, mas, sobretudo, de um mal-estar associado à visão ideológica que a cerca. Em descompasso crescente com o conservadorismo e com a vida mundana da burguesia, que lhe soam cada vez mais insuficientes diante das complexidades e das dores do mundo, Márcia busca projetos que deem sentido ao seu percurso existencial. Como os personagens de A Falecida e S. Bernardo, ela enfrenta profundas inaptidões em relação ao seu lugar social. Já o segundo filme,mais excepcional ainda na cinematografia de Hirszman, foi o curta Sexta-feira da Paixão, Sábado de Aleluia (1969). Única guinada experimental do cineasta, parte do longa-metragem América do Sexo, a obra é um breve flerte com o cinema underground, uma performance em torno da incomunicabilidade em tempos de crise.

                II.

Em meados dos anos 1970, o processo criativo de Hirszman viveria um segundo ponto importante de inflexão. Após dirigir um conjunto de obras que colocaram em primeiro plano as fraturas do mundo, priorizando personagens despedaçados face às contradições e às tragédias sociais brasileiras, o cineasta retornaria à disposição em encontrar no povo um sujeito histórico crucial para o engajamento político. Como o próprio Hirszman declararia em diversas oportunidades, a exemplo de um debate realizado na Universidade de São Paulo (USP) em novembro de 1973, a retomada das representações potencializadas do popular, para ele fundamentais em um contexto no qual se lutava contra a ditadura, deveria acontecer de um modo distante daquela positividade exercitada pelo Cinema Novo antes do golpe de 1964[2]. Embora não fizesse sentido monumentalizar o povo como outrora, dotando-o de uma falsa militância heroica, tampouco era preciso abandoná-lo como agente social de transformação, uma vez que se anunciava decisiva a sua participação na resistência à ditadura. Condizente com suas preferências ideológicas, com sua proximidade ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) desde a década de 1950, Hirszman não abdicaria da aposta política nesse personagem, revisando seu idealismo de juventude para retomá-lo como deflagrador de engajamentos. Logo após dirigir dois curtas-metragens educativos em torno de problemas sociais relacionados ao avanço do capitalismo, Ecologia (1973) e Megalopolis (1973), ele reassumiria uma disposição à militância na obra Que País é Este? (1977).

Hoje um documentário desaparecido, produzido originalmente sob encomenda da emissora italiana RAI, Que País é Este? marcou o primeiro ato de inserção efetiva do cineasta nas campanhas pelo retorno do Brasil à democracia. Composto principalmente por entrevistas com intelectuais que atuavam na oposição à ditadura, dentre eles Alfredo Bosi, Fernando Henrique Cardoso e Maria da Conceição Tavares, o filme propunha-se a recontar a trajetória problemática da nação brasileira, do Descobrimento até os anos 1970, concentrando-se na exposição crítica do autoritarismo sempre presente em nossa constituição histórica. Intercalando os depoimentos com imagens de arquivo, sobretudo obras do Cinema Novo e de autores vinculados ao Teatro de Arena, o documentário procurava evidenciar que uma das marcas do nosso passado foram os ciclos ininterruptos de violência, o constante massacre promovido pelas classes dominantes contra rebeliões e projetos libertários de origem popular. A grande aposta do filme, no entanto, é que esse processo repetitivo de brutalidade, a incluir o próprio regime militar, poderia encontrar seu fim caso uma ampla frente política, formada por diversos setores da sociedade civil, se unisse em prol da redemocratização do país. O aprendizado sobre o tempo pretérito evitaria, no presente, a continuidade das heranças autoritárias. E o povo, núcleo produtor de rebeliões, assumiria nesse ato de ruptura um protagonismo histórico.

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As ideias contidas em Que País é Este? acentuadamente militantes, ganhariam maior efervescência no documentário que Hirszman filmaria dois anos depois, intitulado ABC da Greve (1979-90). Montado em 1980, mas finalizado somente após a morte do cineasta, o longa-metragem acompanha, sobretudo a partir de um estilo observacional, o percurso da grande paralisação metalúrgica que ocorreu entre março e maio de 1979 na região do ABC paulista. Para um realizador como Hirszman, cujo pensamento filosófico fundou-se em tradições marxistas de luta, o ressurgimento de um operariado combatido durante a vigência do regime militar, em um cenário de questionamento cada vez maior ao Estado ditatorial, foi encarado como expectativa de que novos tempos talvez estivessem às vésperas de surgir. Identificando nesse novo sindicalismo um retorno à potência questionadora do popular, realinhando-se à perspectiva de que seu processo criativo poderia contribuir para a dimensão política em curso, o cineasta lançou-se à realização de ABC da Greve com o objetivo de construir uma memória em torno da sublevação metalúrgica. Embora não caia na armadilha de positivar em excesso os operários liderados por Lula, incluindo em seu tecido narrativo as intensas disputas internas do sindicalismo de base, o documentário acabaria marcando, na maturidade artística de Hirszman, um reencontro com posturas vinculadas ao cinema de engajamento.

Em ABC da Greve, é a luta de classes que irrompe como leitura da situação histórica brasileira. Para além de observar em minúcias a resistência e a solidariedade da classe popular, sugerindo a sua aproximação com setores mais amplos da sociedade civil, o longa-metragem se ocupa em denunciar as estruturas de poder por trás da ditadura e da exploração promovida pelo empresariado.Ao filmar o inimigo e destrinchar o seu modus operandi conservador, demonstrando os vínculos espúrios entre dirigentes industriais, meios de comunicação de massa e regime militar, mais uma vez Hirszman organiza seu fazer criativo como percepção crítica do autoritarismo que nos rodeia. Nessa obra singular, pois até então o cinema brasileiro havia se voltado pouco à investigação detalhada da classe dominante, a militância não se encontra somente nas possíveis apostas políticas vinculadas à mobilização operária, mas também na exposição das poderosas ferramentas de dominação utilizadas pelo inimigo para manter-se no poder. ABC da Greve é um filme de registro da história imediata, das tensões ainda não resolvidas, cuja força é evidenciar as disputas pelo campo político entre setores sociais radicalmente distintos.

A reposição do popular como potência política, fator determinante no cinema produzido por Hirszman em torno da redemocratização, alcançaria grande intensidade no filme que o cineasta dirigiu meses após as filmagens da greve ocorrida na região do ABC.Retomando um aspecto habitual de seu processo criativo, o longa-metragem Eles Não Usam Black-tie (1981) surgiu na trajetória do realizador como mais um projeto de adaptação cinematográfica, dessa vez de transposição fílmica da peça homônima escrita por Gianfrancesco Guarnieri no ano de 1956. Montada pela primeira vez em 1958, no palco do Teatro de Arena que adotava um viés dramatúrgico de engajamento, a versão teatral de Black-tie foi composta em um contexto anterior ao golpe civil-militar de 1964, em um período no qual a esquerda artística encontrava-se impregnada por fortes crenças vinculadas à utopia revolucionária. Encenada em meio ao otimismo ideológico que marcou a segunda metade da década de 1950, à aposta de que o campo cultural poderia estimular o compromisso do público com uma práxis efetiva de transformação, a peça de Guarnieri foi originalmente realizada em convergência com o espírito criativo que enxergava na arte um “instrumento” de intervenção capaz de agir sobre os rumos da sociedade brasileira.

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De modo parecido com Pedreira de São Diogo, primeiro curta-metragem dirigido por Hirszman, o Black-tie teatral propunha uma narrativa a representar o povo com traços heroicos, como sujeito histórico dotado de uma positividade revolucionária. Por meio de um enredo acessível ao espectador, composto para envolvê-lo emocionalmente com personagens de extração popular, a trama da peça se desenvolve em torno de confrontos ideológicos e afetivos envolvendo dois integrantes de um mesmo núcleo familiar. De um lado o velho Otávio, líder sindical que vê na militância coletiva a essência do viver; do outro o jovem Tião, que acredita na ascensão individualista de classe como solução para seus dilemas.O descompasso entre os dois, agravado a partir do momento em que Tião boicota uma paralisação com receio de perder o emprego, explode no terceiro ato da peça como cisão incontornável: Otávio expulsa de casa o filho fura-greve, que visto com maus olhos pela vizinhança é obrigado a exilar-se de sua comunidade.Como resultado do entrechoque entre as duas ideologias, da ruptura entre as duas visões antagônicas de mundo, Otávio será celebrado na peça como agente de transformação, como personagem positivo que concentra um saber comunista a sacrificar a vida pessoal em defesa de um possível projeto de emancipação.

Ao retomar uma narrativa teatral escrita há tempos, deslocando-a em direção ao início da década de 1980, Hirszman tinha a consciência de que precisaria realizar mudanças no texto original, ajustes que permitiriam atualizá-lo para um cenário de supressão democrática decorrente do regime militar. Após anos de violência ditatorial,diante da ampliação das tragédias sociais e do colapso dos projetos utópicos de esquerda, não haveria como reacender as dimensões românticas contidas na peça de 1956. A partir do aprendizado adquirido durante as filmagens do documentário ABC da greve, nas quais travou contato com as novas e intensas disputas do campo político, Hirszman sabia da impossibilidade de resgatar o antigo sentimento de onipotência ideológica, de realinhar-se com uma crença teleológica cujo anseio era tomar posse da história e conduzi-la rumo a uma modernização de ordem socialista. Adaptar Black-tie para o ano de 1981, mesmo que preservando a sua essência realista e melodramática de ampla comunicação com o público, exigiria do cineasta uma revisão crucial da peça, desligando-a de um idealismo ultrapassado eincapaz de expor as contradições mais profundas da sociedade brasileira. Embora houvesse por parte de Hirszman o desejo de inserir em seu filme o popular como personagem central na luta em prol da redemocratização, representando-o como figura política necessária para a superação definitiva da ditadura, tal investimento simbólico deveria ser realizado com grande cuidado, evitando-se a reprodução de positivações incoerentes com as complexidades sociais do mundo.

Preocupado com esses ajustes históricos, contando com o próprio Guarnieri como parceiro criativo na realização do filme, Hirszman lançou-se à atualização de Black-tie. Afastando-se dos excessos contidos na peça, na qual desenha-se o triunfo político da classe popular, o longa-metragem de 1981, às voltas com a tragédia decorrente do regime militar, instala a morte como dado sensível para a leitura do Brasil. Diferente do texto original, em que o enredo é permeado sobretudo pela vitalidade comunitária, o filme procura expor as angústias resultantes da condição autoritária vivida desde 1964.No longa-metragem dirigido por Hirszman, uma das primeiras obras do cinema brasileiro a propor um balanço sobre os terríveis anos da ditadura, a encenação de três assassinatos, inexistentes na peça de 1956, traça um panorama crítico do país que adentrava os anos 1980 carregando o pesado trauma do fechamento democrático. O fuzilamento de um menor de idade pela polícia, a morte gratuita do pai da personagem Maria e o assassinato a sangue frio do operário Bráulio, alvejado por um policial a paisana, tornam-se no filme indícios da tragédia brasileira, da circularidade de um horror decorrente da ampliação do banditismo e da violência de Estado. Em comparação à peça, pulsante de vida e de confiança na emancipação futura, o longa-metragem expõe as perversidades sociais, as angústias enfrentadas pelo popular em um cenário de amplo esgotamento. O próprio movimento operário, que no texto original de Guarnieri é tratado como força una e revolucionária, capaz de realizar uma greve vitoriosa, aparece no longa-metragem fragmentado, em disputas pela hegemonia do sindicalismo, dividido entre assumir confrontos radicais contra o patronato ou esperar pacienciosamente por um momento mais oportuno de ação.

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A despeito de todo o revisionismo proposto por Hirszman, perceptível em um filme a exibir fraturas do país e dissonâncias internas ao movimento operário, é importante ressaltar que o Black-tie cinematográfico está longe de conter uma visão ideológica negativista da militância popular. Se o longa-metragem, em seu realismo crítico de forte envergadura sentimental, concentra-se na exposição crítica de nossos esgotamentos, assumindo como pacto artístico a denúncia da situação vivida pelo Brasil, tal investimento criativo não resulta em ceticismo diante das possibilidades de luta existentes no contexto histórico da época. No caso do filme Black-tie, evidenciar o luto da nação, a tristeza esgarçada em meio ao período ditatorial, torna-se uma partilha das angústias, uma forma de encarar as dificuldades do presente com o objetivo de reposicionar o povo como sujeito crucial para concretizar demandas democráticas dos novos tempos. Ainda que a greve encenada no interior da obra fílmica saia derrotada, e que o cineasta construa duras críticas ao setor operário considerado violento e insurrecional, o longa-metragem não anuncia desistências, procurando extrair dos tropeços a emergência de um popular renovado, de um engajamento de massas que prepararia adequadamente as bases para a oposição organizada e institucional contra as classes dirigentes. Na adaptação cinematográfica de Black-tie, recusar o romantismo revolucionário que havia na peça de Guarnieri, retirar do jogo a antiga onipotência utópica, não significava desistir das apostas políticas. Pela última vez em sua trajetória artística, Hirszman representaria o povo como potência de luta, como potência de superação do luto. Não uma dimensão falsamente heroica, como havia feito na juventude, mas uma dimensão vigorosa que não deixaria de expor contradições e de insistir em certos traços idealistas. No Black-tie fílmico, para além de denunciar crises, Hirszman apresentaria seus anseios em relação ao futuro.

                III.

No cinema de Hirszman, o pacto criativo com a classe popular não pode ser pensado exclusivamente pela disposição do cineasta à arte de militância ou às leituras do mundo a partir de um viés filosófico marxista. Ainda que a dimensão política encontre-se presente na obra integral de Hirszman, voltando-se em certos momentos para análises totalizantes do Brasil, alguns filmes realizados por ele, em pontos distintos de sua trajetória, deslocaram-se rumo a uma apreciação mais “culturalista” das manifestações artísticas originárias do povo. Sem nunca abdicar do comentário ideológico, mesmo que fosse para inseri-lo nas bordas do tecido fílmico, o cineasta produziu uma série de obras dedicadas principalmente à observação poética do cancioneiro popular. Para ele, cuja formação intelectual deveu muito ao romance social modernista, o samba de raiz foi uma das manifestações mais autênticas da cultura brasileira. No decorrer de sua vida, Hirszman dedicou um apreço especial a essa musicalidade: nos anos 1960 esteve envolvido com a esquerda que valorizou os compositores do morro, fez do samba uma escolha sonora para a maioria de seus filmes e dirigiu documentários a retratar figuras centrais na história desse gênero.

Se o samba tornou-se fundamental no processo criativo do cineasta, a ponto de ganhar enorme relevo no conjunto de sua produção, isso não se deveu unicamente ao lado estético da canção, mas sobretudo porque o artista a encarava como manifestação essencial de um sentimento comunitário. Assumido por Hirszman como voz criativa do povo, cuja performance realiza-se na dimensão pública, esse gênero musical apareceu em sua obra como tradução das angústias e dos desejos coletivos existentes em uma urbanidade localizada nos espaços da periferia e das favelas. No documentário Nelson Cavaquinho (1969), belíssimo perfil desse gigante do nosso cancioneiro, a melancolia presente nas composições do sambista, espelho de um sentimento popular, adquire maior poesia quando o filme, deixando de lado os momentos de entrevista, mescla a escuta de suas músicas com alivre contemplação do cotidiano encontrado no subúrbio carioca. Já em Partido Alto (1976-82), o raríssimo registro das rodas de terreiro com Candeia, Manacéa ou Wilson Moreira, todos compositores da velha guarda carioca, é complementado por uma fala proferida por Paulinho da Viola, um discurso entre o lamento e a exaltação, cujo conteúdo critica a cooptação do samba pelo grande espetáculo comercial, mas salienta a sua resistência comunitária como reflexo das “verdades sentidas na alma de cada um”. Se tais filmes atribuem um valor político à musicalidade originária do popular, este se localiza justamente na dimensão cultural que busca preservar os vínculos comunais daqueles que foram historicamente marginalizados. No cinema de Hirszman, a arte do povo é, também, seu exercício coletivo de resistência.

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Uma abordagem parecida com essa, na chave “culturalista” aqui anunciada, também se encontra presente nos curtas-metragens que o cineasta realizou entre 1974 e 1976 para o Ministério da Educação e da Cultura (MEC). A série Cantos de Trabalho, composta por uma trilogia de documentários produzidos em cidades interioranas de Alagoas e Bahia, concentra-se na observação de camponeses que entoam canções ancestrais enquanto cooperam na construção de uma casa ou no plantio de cacau e cana-de-açúcar. Nesse conjunto de filmes, mais do que em outros citados no decorrer deste ensaio, Hirszman parecia disposto a se aproximar de heranças “antropológicas” ligadas a autores como Câmara Cascudo e Mário de Andrade, para quem o trabalho intelectual era estimulado, em boa medida, pelo registro de matrizes culturais formadoras da identidade brasileira. Lembrando algumas obras produzidas pela Caravana Farkas na década de 1960 ou por Humberto Mauro enquanto atuou no Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE), os Cantos de Trabalho têm como ponto de partida uma concepção etnográfica de filmagem, com uma câmera que pouco intervém na cena, a partir da qual Hirszman salienta que o cântico camponês de raiz, uma das expressões mais significativas da oralidade popular, enfrenta o risco constante do desaparecimento. A narração conduzida pelo poeta Ferreira Gullar nos filmes dedicados ao cultivo do cacau e da cana-de-açúcar, voz que o cineasta também utilizou em outros de seus documentários, alerta para a urgência de se defender um patrimônio ameaçado de extinção face aos avanços da modernização conservadora. Tal qual faria com o samba, no sentido de percebê-lo componente socioculturalcoletivo, Hirszman realiza Cantos de Trabalho com o intuito de construir uma memória em torno da musicalidade rural do povo, dos valores comunitários que ainda lhe restavam, deslocando a dimensão política para o registro daquilo que deve resistir. Como em Que País É Este?, olhar para a cultura popular, para a musicalidade ancestral, é encontrar a tradução dos lamentos de um povo massacrado historicamente, mas também a força motriz de solidariedade e de sobrevivência criativa dos marginalizados[3].

Os últimos filmes realizados por Hirszman, exibidos em circuito comercial pouco antes de sua morte em 1987, também fazem parte desse singular itinerário de apreciação dos atos criativos originários do povo. Trilogia composta por três documentários dirigidos entre 1983 e 1986, Imagens do Inconsciente tornou-se uma obra marcante na trajetória do cineasta não somente por ser o ato derradeiro de uma filmografia atravessada pelo pacto artístico e orgânico com a classe popular, mas também por conter um breve desvio de Hirszman rumo à investigação sobre as complexas dimensões da subjetividade humana. Dono de um fazer cinematográfico mediado principalmente por leituras sociopolíticas de mundo, no qual se acentua um componente materialista histórico de abordagem do homem e dos fenômenos sociais que o cercam, o cineasta operou um deslocamento significativo em sua última série de trabalhos, uma abertura filosófica aos mistérios advindos das manifestações criativas do inconsciente. Realizados em parceria com a doutora Nise da Silveira, psiquiatra que revolucionou os tratamentos da esquizofrenia ao defender a terapia ocupacional em substituição aos métodos violentos do eletrochoque, do entorpecimento químico e da lobotomia, os documentários retratam os casos clínicos de três pacientes do Centro Psiquiátrico Pedro II, todos de origem popular, que encontraram na criação artística uma expressão de seus dilaceramentos internos e um suporte para a melhoria de suas condições mentais.

Embora os filmes não abram mão do comentário político, pois introduzem discursos de oposição às agressões da psiquiatria tradicional, eles se concentram especialmente nos percursos biográficos desses três personagens, na narrativa que vai da irrupção da psicose aos efeitos da terapia ocupacional, apresentando para o deleite do nosso olhar os inúmeros objetos artísticos que criaram no decorrer de seus tratamentos. A cada obra que os documentários descortinam, a partir de uma seleção criteriosa feita por Nise da Silveira, não está em jogo apenas a revelação do mundo interior em suas complexidades e abismos, mas também a força e a beleza de formas estéticas criadas por homens e mulheres sem qualquer formação técnica no campo artístico. As imagens que emergem do inconsciente, imagens que a psiquiatra utilizou na busca pela cura específica dos esquizofrênicos, universalizam-se como manifestação ampla das angústias e desejos que perpassam a difícil condição da existência. Ver tais obras, enxergar-se no que elas exprimem, é um exercício potente de reconhecimento. Em se tratando do filme Em Busca do Espaço Cotidiano, dedicado a Fernando Diniz, mulato e filho de uma costureira nordestina, a pintura realiza-se como esforço exaustivo de ordenação em meio ao caos subjetivo, como luta constante para encontrar uma possível reintegração nas dinâmicas da sociedade.

Imagens do inconsciente - Fernando

Já em No Reino das Mães, os desenhos de Adelina Gomes, filha de camponeses, revelam uma feminilidade fraturada, resultado de um ego frágil que não pôde suportar as duras pressões sociais impostas corriqueiramente à vida das mulheres. E no caso de A Barca do Sol, a obra de Carlos Pertuis, ex-sapateiro, manifesta visões religiosas e profecias cosmogônicas, uma busca incessante pelo absoluto em meio à desordenação do mundo social. Na série Imagens do Inconsciente, o processo criativo desses personagens, pinturas que foram seus mecanismos particulares de defesa, irrompe como artesanato vital do povo, tradução de sentimentos também relacionados a uma realidade conservadora que aprisiona a loucura em verdadeiros campos químicos de concentração. Em seu último ato fílmico, mantendo-se firme no pacto artístico com a classe popular, Hirszman proporciona a apreciação das maravilhas tumultuadas da subjetividade. Muitos anos depois, em complemento a esse magnífico trabalho, Eduardo Escorel montaria uma entrevista inédita que o cineasta havia feito com Nise da Silveira em abril de 1986, originando um novo longa-metragem intitulado Posfácio (2014).

Entre militâncias e investigações do contraditório, entre personagens despedaçados e lutas pela democracia, apreciações artísticas e mergulhos no inconsciente, Hirszman compôs com sua cinematografia ricos itinerários relacionados à classe popular. Como tradução das múltiplas inquietações de um tempo, principalmente do período atravessado pelo regime militar, a sua obra encontrou na relação ontológica com o povo uma grande potência estética e criativa, um fundamento filosófico existencial que fez emergir aguçadas leituras sobre as dimensões políticas e culturais da sociedade brasileira. Atrelada a temporalidades específicas, respondendo a demandas urgentes do contexto histórico entre os anos 1960 e 1980, a filmografia de Hirszman, no entanto, está longe de configurar-se como manifestação artística aprisionada no passado, como obra exilada em questões pretéritas que não reverberam na atual situação vivida pelo país. Os filmes realizados pelo cineasta, a despeito das décadas de distância, encontram em 2017uma atualidade surpreendente.

Nos dias contemporâneos, ao se entrar em contato com o cinema mais politizado de Hirszman, enunciador crítico dos autoritarismos presentes em nossa formação societária, parece difícil esquivar-se de um sentimento melancólico de exaustão. Diante de um sistema democrático frágil e contaminado por interesses econômicos, que desde 1985 demonstra-se incapaz de superar contradições históricas e mantém no poder uma classe política majoritariamente corrupta,os questionamentos levantados pelo cineasta continuam firmes enquanto exposição das fraturas sociais que ainda permanecem vivas, distantes de qualquer resolução concreta. A confiança muitas vezes manifestada pelo realizador na mobilização militante do povo, seja em seus filmes de juventude ou naqueles produzidos em torno da redemocratização, hoje surge para nós bastante enfraquecida, um elo orgânico que desejaríamos reatar, mas que se desgasta ainda mais face à ampla dificuldade de enfrentar as novas guinadas do conservadorismo.As leituras que Hirszman construiu em torno do Brasil, a demonstrar o pesado fardo de sua constituição elitista, prosseguem vivas como análises necessárias para a compreensão de um país que nunca rompeu efetivamente com suas heranças autoritárias.

Seria um equívoco, entretanto, pensar que a cinematografia de Hirszman permanece inquietante apenas pelo mal-estar provocado diante do politicamente irresolvido. Sobretudo nas obras em que o cineasta dedicou-se à apreciação das artes de origem popular, à musicalidade como expressão coletiva ou às manifestações do inconsciente, parece residir uma potência criativa que não deve ser ignorada diante da situação tumultuada do contemporâneo. Ainda que desses filmes também emerjam sentimentos de perda, seja pela diluição crescente dos vínculos comunitários ou pelo uso generalizado de psicotrópicos no tempo presente, há neles uma dimensão pulsante a relembrar o quanto uma parcela do campo artístico, em suas energias criadoras, sempre existirá como resistência poética às desordens do mundo. No cinema de Hirszman, a exposição das tragédias sociais convive com uma aposta rediviva na arte do povo como componente libertário, fraterno e comunal. Em sua obra, é possível encontrar um exercício de sobrevivência: às sombras do mundo, expressam-se luminosidades artísticas. Hirszman parece deixar, como um de seus legados, a sugestão de que não se deve temer certo viés romântico atrelado ao processo de criação, um romantismo crucial por fazer caminhar os desejos de ruptura e de felicidade, mesmo que estes se mostrem impossíveis de consolidar. Se o inimigo ataca com a financeirização de tudo, monetarizando friamente as relações sociais, uma forma política de resistir, de manter-se em pé, reside na insistência poética. Aí jaz uma possível herança do cineasta, para além das leituras ainda atuais sobre o Brasil autoritário e suas fraturas: fazer política de luta é fazer poesia, insistir na poesia é insistir na contestação. Apreciar efetivamente o cinema de Hirszman é não se esquivar do idealismo que ele contém, um idealismo que nunca se manifesta ingênuo a ponto de ocultar o poço sem fim das nossas contradições.

Pedreira 2

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[1] Parte das ideias contidas neste ensaio foram desenvolvidas em minha tese de doutorado, defendida em 2014 na Escola de Comunicação e Artes da USP. Intitulada O cinema político de Leon Hirszman (1976-81): engajamento e resistência durante o regime militar brasileiro, a pesquisa encontra-se acessível a partir do link http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27161/tde-02022015-160846/pt-br.php.

[2] Esse encontro ocorrido na USP, com participação de Hirszman, nunca foi publicado. A fita cassete contendo a conversa pode ser consultada no Arquivo Edgard Leuenroth/IFCH/Unicamp, fundo Leon Hirszman, grupo 4, série 8.

[3] A esse conjunto de filmes em torno da musicalidade, devem ser acrescentados dois outros. Rio, Carnaval da Vida (1978), atualmente inacessível para visionamento, é um documentário de registro da festividade popular, dedicado a observar a alegria como componente de liberação criativa dos padrões sociais. Bahia de Todos os Sambas (1983-96), terminado por Paulo Cezar Saraceni anos após a morte de Hirszman, acompanha a apresentação de alguns músicos, dentre eles Batatinha, Dorival Caymmi, Caetano Veloso e João Gilberto, durante um festival ocorrido em 1983, na cidade de Roma.