Editorial Edição #01

Em suas jornadas pela Espanha, Dom Quixote lidou com o escárnio de seus concidadãos, a piedade de conhecidos e familiares, o apoio oscilante de Sancho – e, obviamente, o abnegado e resiliente suporte de Rocinante. Tísico comprovado, o pangaré serviu de veículo para que o Cavaleiro da Triste Figura completasse suas missões e, consequentemente, conquistasse um lugar de absoluto destaque na história da literatura mundial. Acredito ser possível criar um paralelo entre a figura de Rocinante e a da crítica,  prática milenar, tão reiteradamente desafiada, mas responsável por, até hoje, nos ajudar a abrir novos espaços entre diversos territórios, expandindo nosso olhar, contestando nossas convicções e tornando nossas aventuras estéticas mais abrangentes e ricas.

Ao fundarmos a revista Rocinante, objetivamos, acima de tudo, introduzir novas vozes no âmbito da crítica cinematográfica brasileira, ampliar um diálogo crescente e propor vias de acesso originais a obras variadas. Nossos críticos, oriundos de áreas e possuidores de estilos bem diferentes, têm em comum o amor pela sétima arte e o interesse em dividir com os leitores interpretações desafiadoras e bem fundamentadas.

O site é dividido em três partes distintas. Na sessão Lançamentos, organizamos textos críticos relacionados a filmes recém-saídos de cartaz, prestes a entrar ou ainda em circulação no mercado brasileiro. Não há restrições em relação a tipos, gêneros ou nacionalidades – a corrente edição cobre, por exemplo, da animação americana Anomalisa ao colombiano O Abraço da Serpente, contemplando ainda, dentre outros, a trilogia As Mil e Uma Noites, de Miguel Gomes, e a mais recente realização de Hou Hsiao-Hsien, A Assassina.

Na sessão Temáticos, agrupamos críticas que orbitam em torno de um assunto comum, ainda que articulando perspectivas e conclusões diversas. Em nosso número de estreia, o tema é cinema de terror contemporâneo. Gênero fundamental na história do cinema, dono de uma sobrevida impressionante, renovando-se constantemente no interior de variegados ciclos e mantendo um potencial, ao que tudo indica, irrestrito de atração, o terror passa por uma fase riquíssima, inspirando autores de muitos cantos do mundo a produzir grandes obras. Juntando na mesma sessão análises de filmes tão díspares quanto o iraniano Garota sombria caminha pela noite, o brasileiro Mar negro, o blockbuster americano Rua Cloverfield, 10 e o western de terror Bone Tomahawk, estabelecemos um recorte que visa apresentar à audiência o nível de pluralidade e potencialidade que, atualmente, embala o gênero.

Finalmente, na sessão Livres, compilamos textos de procedências distintas, não necessariamente veiculados ao tema da edição ou mesmo ao formato da crítica (podem ser ensaios, entrevistas, resenhas, traduções, crônicas de natureza mais confessional, etc.), mas que tenham em comum o compromisso em exprimir um olhar particular sobre algum assunto cinematográfico. Nessa edição, dois ensaios – sobre a presença do Mal no cinema e sobre a obra do francês Philippe Grandrieux – dividem espaço com entrevistas concedidas pelos autores Rodrigo Aragão e Robert Eggers, responsável pelo impressionante A Bruxa.

Nossas edições serão lançadas bimestralmente e, embora apresentem pautas diferentes, manterão uma estrutura algo semelhante à apresentada aqui. Esperamos que vocês, leitores, nos acompanhem em nossas aventuras cinematográficas e, como Quixote, sejam transportados, de uma forma ou de outra, a novos mundos.

Fábio Feldman.